segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Despertando

A água choca-se contra o rosto do jovem. As gotas remanescentes em sua face apressam-se para
encontrarem a superfície amarelada da pia. Levando a mão em direção a toalha velha, o jovem enxuga seu rosto, encara o seu reflexo no manchado espelho por um momento. Aquele ato de esforço poderia prolongar sua atenção por mais alguns minutos, o relógio já marcava 3:12 AM e nada das costumeiras cenas de sexo selvagem e depravado que a vizinha do prédio ao lado costumava dar nas madrugadas de sábado. “O que deveria estar acontecendo?” pergunta ele ao seu reflexo em voz baixa para não acordar sua mãe e seu padrasto.
            O sono e a exaustão erradicaram-se, a expressão de cansaço que Brandon trazia foi substituída por uma de incredulidade e espanto, ele não poderia acreditar no que estava vendo. Talvez fosse o acumulo de trabalho, varias horas no computador e outras mais escondidas no beiral da janela com um binóculo poderiam ter resultado aquilo, ou quem sabe os cigarros de maconha estariam cobrando o percentual de sanidade que lhe era de direito. A imagem do espelho estava ondulando, mais somente o fundo desta, o reflexo do garoto permanecia inalterada, exceto pelos movimentos da qual Brandon fazia. Ele se vira rapidamente para verificar o que via no espelho, parecia tudo estar normal, então novamente ao espelho, a imagem ainda ondulante do banheiro que se segue atrás, o espelho refletia o ambiente cinza, sem vida, as paredes estavam cobertas de uma espécie de lodo negro, baratas caminhavam em grande quantidade por cima daquela imundice, ele podia sentir a amargura, o rancor naquele local que era ainda pior do qual ele se encontrava realmente, por um momento ele ate pode desfrutar do cheiro forte de esgoto, o odor pútrido de animais em decomposição mesclado com o forte cheiro de baratas, e isso fez com que seu estomago evocasse o que ele havia comido no jantar. Era algo repulsivo. Ele corre até seu quarto, atravessando o apartamento coberto em penumbra e cheio de obstáculos. Somente a rua lhe dava sem abundancia luzes amarelas para que ele não tropeça-se nos moveis. Ao alcançar o seu refugio pessoal, um quarto pequeno, como o esperado de um de um jovem de 17 anos de classe baixa morador do Broklin. Brandon pula em sua cama revirada, pega o seu maço de cigarro e o isqueiro em uma gaveta em seu criado mudo, acende rapidamente, ainda tremulo pela visão que desfrutara a pouco, limpa nos braços o resto de vomito que ainda se prendia ao redor de sua boca, logo em seguida um trago é retirado do cigarro para acalmar-lhe os nervos e tirar o gosto indesejado da macarronada de sua mãe banhada em suco gástrico. “O que era aquilo?” “O que significava aquilo?” Brandon se bombardeia de perguntas, “Drogas?” Mais algo o chama atenção na janela, e não era a depravada vizinha com as mãos espalmadas na janela de seu quarto com o seu amante por traz, em uma demonstração de sexo explicito.
            No poste da calçada do prédio ao lado, um homem de cabelos escuros e bagunçados, trajando uma calça social preta, uma camisa branca, gravata da cor da calça, passada de maneira claramente desleixada, e um blazer preto, que lembrava bem o estilo “Constantine”. Escorado a ombro e pernas cruzadas de maneira a formar um “4” o rapaz fumava um cigarro. Do modo com que ele observava a janela do garoto ele transmitia uma grande impressão da qual fitava os olhos do jovem de forma profunda, o garoto sentia medo e curiosidade. O medo era obvio o motivo de sua origem, mas e a curiosidade... de onde vinha? Brandon se perguntava o que ele queria. Um ladrão talvez – pensa ele – bobagem – interrompe a cadeia de deduções que o leva a pensar isso. Era mais possível a hipótese de ser um assassino psicopata, a maneira como ele se veste, a calma e seriedade em seu rosto, de acordo com os livros e os artigos da internet, isso era o mais provável. Não podemos descartar a idéia de ele ser o namorado da vadia do apartamento 302 do Ed. Norman, afinal ele estava na calçada dela. “Se ele for mesmo o namorado dela, o cara que ta fudendo ela nesse momento poderá ter bastante encrenca, assim como ela” pensa ele de forma a aliviar sua tensão, agora já amenizada pelo cigarro. Sendo assim ele volta sua atenção para os lençóis torcidos de sua cama, a única fonte de luz que brota da escuridão causticante de seu apertado quarto ambientado com densas nuvens de fumaça era a do monitor de seu computador. De cabeça baixa, perna esquerda dobrava de forma a criar um apoio para sustentar o braço que trazia o cigarro entre os dedos, e com a outra esticada sobre a cama, ele descarrega parte do peso que parecia carregar nas costas na cabeceira de sua cama, então aprecia o acalento de seu coração.
            “Já consegue ver?” um pensamento estranho e sem sentido passa por sua cabeça de maneira involuntária, e novamente o sossego do coração do jovem se esvai. Que diabos foi isso? – Pergunta Brandon a si mesmo. – Primeiro aquela visão no espelho do banheiro, depois a figura enigmática do homem, que por sinal ainda não saíra de seu posto, agora pensamentos involuntários. Então novamente, “já pode ver realmente?” Brandon percebe que não eram pensamentos, era alguém que estava em sua mente. Rapidamente sua atenção é voltada para o rapaz escorado no poste, a luz que jorrava sobre ele, falha umas três vezes enquanto ele deixa seu cigarro atingir o chão, sobre sua atenciosa observação, a brasa some sob a sola de seu sapato de couro preto e gasto enquanto o mesmo assume uma postura ereta, calmamente retorna com seu olhar penetrante à janela do garoto, puxando de lado o blazer o estranho coloca sua mão direita no bolso da calça, e começa a caminhar em direção ao prédio do jovem.
            Acordar sua mãe e seu padrasto estava fora de cogitação, o desgraçado do Jack era um alcoólatra violento, bebe todas as noites e fica agressivo, e quando se sente contrariado, sempre usa da força e se caso ele viesse acordar o cretino não hesitaria em usar dela como sempre faz. A porta estava fechada, apenas os moradores do prédio tem a chave para entrar no edifício, o que deixava o garoto acomodado em sua parcial tranqüilidade. Com o dedão, Brandon provoca a queda da cinza do cigarro no cinzeiro que localizava-se no beiral da janela, puxa um ultimo trago antes de apaga-lo mergulhando-o em meio as cinzas e se levantar rapidamente de forma que torcera ainda mais o lençol de sua cama, ele consegue dar três passos quando escuta. – Jovem desperto. – A voz vinha de suas costas, ou seja, da janela que ficara sobre a sua cama, Brandon sente seu sangue congelando e fervendo em suas veias ao mesmo tempo, seus músculos paralisam-se a saliva desce com sufoco pela garganta, e o gosto de vomito que ainda persistia na boca era ainda mais incomodo. – Não tenha medo garoto, estou aqui para te ajudar a lidar com isso. – Aos poucos parece que Brandon recuperara seus movimentos, as pernas já mexiam, e ele ate pode sentir o ar enchendo-lhe os pulmões novamente, ele então vira-se cautelosamente. – Quem é você? – Quase inaudível a voz do adolescente arrasta-se pela nevoa do quarto. O Homem que encontrava-se sentado na janela dirigindo-se para dentro do apartamento a acomodar-se na cama do “anfitrião”. – Me chamo Nickolas, Nickolas Thompson. E você? Como se chama? – Afastando-se de costas, ele responde. – Bran... Brandon. Como chegou aqui? Porque esta aqui?.. – Gagueja o garoto. – Calma, uma pergunta de cada vez. Posso lhe afirmar que todas as suas atuais e futuras duvidas serão esclarecidas. – Tira do bolso direito da calça um maço de cigarro, da algumas palmadinhas com os dedos fazendo com que alguns cigarros saltem para fora e pega um com boca. – Quer um? Vai ajuda-lo a relaxar. – Oferece ao garoto estendendo-lhe a porcaria, mas o garoto recusa com um aceno de mãos e pega o maço que caíra no chão com o susto. – Então... – O estranho invasor estala os dedos e uma pequena chama explode na ponta do cigarro fazendo com que ela se acenda. – Vai ser estranho todo esse assunto de inicio, mas não vai demorar a entender, afinal você esta despertando, e já deve estar sentindo isso. Mas venha, vamos dar uma volta, e eu lhe explicarei tudo, cada detalhe... – Nick o envolve com um dos braços como quem envolve um amigo, dois tapinhas nas costas encoraja o garoto a seguir aquele estranho, Nickolas acena em direção a janela, linhas de prata começam a deslizar pela superfície do vidro das periferias para o centro formando algo que lembrava mais uma teia de aranha, quando estas se encontram concluindo os trajetos disformes o vidro se parte em vários pedaços, suspensos no ar eles abrem caminho para a passagem. Ambos alcançam a parte de fora flutuando, de maneira calma e controlada, o jovem olha para traz para observar a sua janela toda despedaçada que agora remontava suas peças como se fosse um quebra-cabeça sendo resolvido de maneira magistral. Eles atingem o chão suavemente, Brandon olha em todas as direções para verificar se alguém presenciara aquilo, mas as ruas pareciam estar vazias, sem drogados, nem traficantes, muito menos policiais, destes, podiam se escutar apenas as sirenes ao longe. – Vamos, a noite esta boa para uma caminhada e batermos um papo. – Ainda em silencio o garoto segue, sem saber o porque, mas confiava nele, não era de hoje que ele se sentia diferente, e aquele homem parecia ter respostas para as suas diferenças.
Nickolas inicia sua conversa instrutiva para o atencioso garoto enquanto ambos são engolidos pelas sombras das ruas da selva de concreto e ferro que os circunda, cada qual com seu cigarro...
– Antes de mais nada deves saber que a realidade pode ser moldada, e somente os Despertos o podem fazer...

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