As gotas da chuva calma que caem nas poças d`água que se formam de baixo das janelas, desencadeiam as lembranças das goteiras das cavernas antes exploradas. O fogo que trepida na lareira faz lembrar do calor da tocha que antes como uma inseparável companheira seguia a sua frente iluminando o caminho. O vento do leste sussurra uma reminiscência do acariciar severo das brisas dos montes e montanhas gélidas.
O cheiro da relva molhada dos vales e florestas faz o seu coração bater de maneira jovial como antes. Certo de que suas espadas adormecidas em suas bainhas, compartilham da mesma chama de tal sentimento que agora volta a ressurgir, sentimento esse que o tempo não corrompera, apenas perdeu um pouco de seu brilho e calor, abafados pela poeira da idade.
Como um guardião imponente do norte, um baú cumpre com fervor sua nobre tarefa. Feito em cedro, dobradiça e tranca de aço negro se prostra eternamente fiel ao seu senhor e ao tesouro que lhe foi confiado. Uma capa batida pelo tempo e pela poeira da estrada, a inseparável companheira que lhe aquecera durante intermináveis noites que se seguiam em suas aventuras. O cinto de couro do qual compartilhara o peso das inseparáveis espadas, que traz sobre ele as marcas do passado glorioso. Encolhidos em um canto no interior escuro do guardião de cedro o par de botas de couro que certamente seriam da cor negra se não estivessem tão velhas, agora desbotadas, corroídas e empoeiradas pelo tempo elas mais pareciam cinza, e uma delas ainda trazia com sigo uma marca vívida das presas de um animal em sua lateral. Um lobo – recorda-se ele – nas Florestas da Noite Eterna – Completa, reavivando suas memórias. Por debaixo de uma das dobras da capa escondiam-se suas luvas. Estas não compartilhavam a aparente idade com as demais peças do pequeno tesouro, Esse conjunto ainda parecia ser novo, como se tivera acabado de brotar das mãos do alfaiate. Veludo era seu tecido e sua cor de um verde-musgo que não somente relembrava como também trazia diante de seus olhos as imagens da floresta dos povos elficos, a superfície da luva parecia criar vida como as folhas da seu local de origem quando os detalhes em linhas douradas que derramava de suas bordas ao serem acariciada pela claridade do fogo. A magia que dela jorrava era claramente visível até mesmo para “olhos virgens”.
Emergindo do tesouro que a soterrava, uma ponta de madeira com detalhes dourados em forma de folhas e caules alongados que serpenteavam em tordo de seu corpo de cedro-vermelho. Ao vê-la, sua mente é atacada por lembranças como uma fera sagaz. Orcs, dos Montes de Munock, a firmeza no punho serrado ao cabo da espada, a lamina cortando o adversário, o sangue quente salpicando-lhe a face. Aos poucos ele desenterra o resto do que estava escondido no fundo do baú, as espadas gêmeas se revelam adormecidas, uma sobre a outra, embainhadas e amarradas, inseparáveis tão lindas inanimadas como vívidas em combate. A luz do sol reluzia nas laminas cobertas de sangue enquanto ambas dançavam em uma coreografia bela e mortal. A euforia toma conta de seu corpo ao toma-las nas mãos, desata as amarras que prende uma a outra. Um golpe circular lateral o pega despreparado, assim ele sucumbe à força do bárbaro e cai, com a ajuda da mão esquerda que agora livre do peso da espada que fora arremessada com o poderoso golpe do agressor, ele se arrasta pelo solo nevado, com a espada que lhe restara na mão direita ele tenta da maneira que pode defender-se dos ataques do assassino. Um devaneio interrompe o ritual momentâneo, esboçando um sorriso maroto, ele calça as luvas elficas, sente claramente ao vesti-las que elas se ajustam de maneira confortável em suas mãos, e então da continuidade com as espadas, e finalmente as empunha. Mais um golpe de cima para baixo em sua direção é desferida por seu adversário, com êxito parcial ele desvia o golpe, porem esse seria seu ultimo esforço, pois o golpe o deixara sem defesas, caído com a face voltada para o chão, apoiado em seu ante-braço ele não poderia retornar e defender o machado que em um movimento circular e magistral o seu dono fazia com que ele tomava altura e velocidade para o ultimo e decisivo golpe, quando ele percebe a outra espada caída ao seu lado que parecia deslizar em sua direção. Rapidamente a empunha, o golpe do machado é desviado num ultimo instante de esforço, o estampido do machado chocando-se na rocha que se escondia na neve soa como o grito de dor de Halfar (o deus trovão). O olhar em chamas de furor do guerreiro agora da lugar a um semblante de assombro, ele sabia que aquele golpe seria o ultimo, era o fim. De maneira rápida e impetuosa, com suas duas espadas a punho fica de joelhos levando a arma da mão direita a atravessar a garganta de seu inimigo. Nos olhos do bárbaro podia se ver a satisfação de morrer pelas mãos de um guerreiro tão valoroso.
“Ela ainda não apagou... Porque parar?” Ele então calça suas botas, ainda confortáveis como nunca... “Ela ainda não apagou... Porque deixar morrer?” O cinto o abraça em um arremesso certeiro e tão perfeito como em suas alvas ao despertar... “Ela não apagou... Tudo ainda vive.” Com um movimento circular faz com que a capa abre-se no ar como a asa de um grifo ao saltar da montanha e mergulhar para o vôo imperial, o laço no pescoço a prende de maneira firme... “Ela não apagou... Sim!” A aventura recomeça, pois tudo ainda existe, as vestes, as armas, à vontade, o instinto e acima de tudo, as lembranças e a euforia. A chama da aventura, a chama do RPG ainda se não apagou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário